Um Prazer Acima Das Nuvens
Algumas viagens ficam marcadas não pelo destino, mas pelo que acontece no caminho. Há encontros que não estavam nos planos de voo, mas que pousam suavemente em nossas memórias e despertam algo que não sabíamos estar adormecido. Foi exatamente assim que começou a história de Isadora, uma comissária de bordo acostumada com rotinas celestes e passageiros apressados, mas que, em um voo comum entre São Paulo e Fortaleza, viveu uma conexão tão inesperada quanto arrebatadora.
Era uma manhã comum — céu limpo, farda impecável e o protocolo de sempre. Isadora, aos 30 anos, experiente e dedicada, apresentava-se ao despacho operacional para mais uma jornada aérea. O voo partiria de Guarulhos às 9h30 rumo a Fortaleza. Durante o embarque, entre passageiros que mal levantavam o olhar e outros que sorriam por educação, um homem em particular capturou sua atenção de forma sutil, quase imperceptível.
Ele chegou às pressas, um pouco ofegante e com os olhos ansiosos. Devia ter pouco mais de 40 anos, corpo forte e presença tranquila, apesar do contratempo com a conexão. Acometido por um leve nervosismo, ocupou a poltrona 22C e, ao guardar sua bagagem, trocou com Isadora um olhar breve, acompanhado por um discreto sorriso.
Durante a checagem final antes da decolagem, ela sentiu um leve toque de ombro enquanto fechava o compartimento sobre ele. Um toque casual, quase inocente, mas que reverberou como um arrepio silencioso. Houve algo naquele gesto — talvez o contraste da firmeza dele com a sensibilidade dela — que fez o tempo parecer suspenso por um instante.
Mais tarde, em pleno voo, ele a esbarrou acidentalmente ao levantar-se bruscamente, desculpando-se com um sorriso sem graça e um olhar quase infantil. Isadora sorriu de volta. Havia ali uma troca muda, algo que ainda não se traduzia em palavras.
Horas depois, com o pouso concluído e os passageiros desembarcando, o mesmo homem aproximou-se calmamente, sendo um dos últimos a sair. Sem dizer nada, entregou-lhe discretamente um bilhete dobrado, acompanhando o gesto com um "obrigado" e um novo olhar — desta vez mais longo, mais denso. Ela guardou o papel no bolso, disposta a descartá-lo mais tarde. Mas a curiosidade venceu.
No hotel, já acomodada em seu quarto solitário, o silêncio da cama grande e vazia ampliava o eco daquela lembrança. Quando enfim abriu o bilhete, o coração disparou:
"Desculpe pelo desastre. Gostaria muito de me desculpar pessoalmente, jantando com você. Se aceitar, aqui está meu número. Caso não me ligue, entenderei que não aceitou. Estarei aguardando, ansiosamente."
Isadora hesitou. Não era de se envolver com passageiros. Ainda assim, havia algo naquele homem — uma gentileza contida, um magnetismo sereno — que mexia com suas certezas. Com o celular nas mãos, decidiu tentar. Era apenas um jantar, pensou.
A ligação foi atendida por uma voz firme, educada, que a cumprimentou com leveza. A conversa fluiu com uma naturalidade desconcertante. Descobriu que ele se chamava Rafael, médico, vindo de Maringá para um congresso. Coincidência ou destino, ele também estava hospedado no mesmo hotel — apenas um andar acima.
Marcaram às oito. Isadora escolheu um vestido que sempre levava na mala, mas que nunca tinha coragem de usar. Seria naquela noite. O nervosismo apertava, mas também a excitava. Quando ele bateu à porta, o tempo parou.
Rafael estava elegante, e o brilho nos olhos dele era mais convidativo que qualquer discurso. Beijou-lhe a mão como um cavalheiro, e ela o convidou a entrar enquanto finalizava os últimos detalhes.
Foi então que o inesperado se tornou inevitável.
O ambiente se encheu de uma tensão doce, quase poética. Estavam próximos. O silêncio entre eles dizia mais do que palavras poderiam expressar. Um toque na cintura, um polegar deslizando pelos lábios, um beijo que começou sutil e logo se tornou faminto. Os corpos se reconheceram antes mesmo das intenções.
O desejo entre eles não foi apressado. Foi construído no olhar, no toque, na entrega gradual de um ao outro. O quarto se tornou palco de uma dança íntima, onde cada gesto, cada suspiro e cada carícia tinham ritmo próprio. Isadora descobria-se livre, entregue a uma paixão inesperada, mas estranhamente familiar.
A entrega foi completa, não apenas dos corpos, mas das vontades contidas, dos instintos guardados em voos anteriores. Foi como se o tempo inteiro tivessem sido preparados para aquele encontro. Não houve pressa. Houve intensidade.
Depois, com os sentidos ainda em brasa, foram jantar. E, naquela semana, seus caminhos se cruzaram novamente — não apenas nos corredores do hotel, mas nas lembranças de uma noite que começara com um bilhete tímido e terminara com um convite à descoberta.
Algumas conexões acontecem no silêncio entre dois sorrisos, no toque que parece acidental, mas carrega intenções. Isadora aprendeu que, por vezes, o inesperado é o que mais revela quem somos quando nos permitimos sentir.
Ela voltou a voar — como sempre — mas, agora, com lembranças que não se dissipam com as nuvens. A experiência ficou gravada em sua memória não como um caso passageiro, mas como um lembrete de que o desejo pode pousar a qualquer momento. Basta estar atenta ao próximo embarque... ou ao próximo bilhete.




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