Desejo no corredor de laticínios


O fim de tarde caía sobre a cidade como um véu úmido, dourado e pesado. Nas luzes fluorescentes do supermercado, o mundo parecia desacelerar — exceto por ela. Clara se movia entre os corredores com uma leveza que contrastava com a agitação ao redor. Seus pés deslizavam sobre o piso encerado, seus dedos roçavam as maçãs vermelhas com uma atenção quase ritual, como se escolhesse não frutas, mas momentos. Cada gesto, cada pausa, carregava um peso que ninguém mais percebia: o peso de um desejo que não cabia em palavras, apenas em silêncios profundos, em olhares que se demoravam além do necessário.
 
Ela não era apenas bonita. Era sentida. Havia algo em sua postura — um leve arquear das costas, um modo de morder o lábio inferior ao ler os rótulos — que parecia convidar. Ou talvez fosse apenas o que os outros projetavam nela. Clara sabia disso. Sabia que era olhada. E, mais do que isso, sabia que alguns olhares não se detinham nos olhos.
 
Naquele dia, um homem parou no corredor de laticínios. Não pegou iogurte, não leu nada. Apenas olhou. E, pela primeira vez, o olhar não foi passageiro. Era fixo, mas sem vulgaridade — como quem reconhece um segredo sem nunca tê-lo ouvido. Clara sentiu o ar mudar. O frio do refrigerador, que antes apenas arrepiava os braços, agora descia pela coluna como um toque. Ela virou-se devagar, como se o tempo se rendesse àquele instante. Seus olhos se encontraram. Nada foi dito. Nada precisava ser.
 
Foi ela quem deixou cair o papel no carrinho dele. Um movimento quase imperceptível, como se fosse um descuido. Mas não era. Era intenção. Era coragem disfarçada de acidente.
 
O endereço era simples. O horário, exato.
 
Na penumbra do apartamento, o mundo parecia ter se refeito. As paredes, antes apenas brancas, agora pulsavam com sombras alongadas pela luz de uma única vela. Clara caminhava descalça sobre o tapete, sentindo o tecido áspero sob os pés — um contraste delicioso com a maciez da pele que logo seria tocada. Ela não tinha medo. Tinha apenas uma certeza: queria ser desvendada. Não por qualquer um. Por ele. Pelo homem cujo nome ainda não sabia, mas cujo olhar já lhe pertencia.
 
Quando ele chegou, trouxe consigo um silêncio respeitoso. Não se aproximou com pressa. Apenas entrou, fechou a porta devagar, e esperou. Como se soubesse que o verdadeiro prazer estava na espera.
 
Clara foi até ele. Não com submissão, mas com soberania. Parou a um palmo de distância. Sentiu o calor que ele emitia, o leve tremor em suas mãos — não de desejo bruto, mas de reverência. Então, com um movimento lento, tirou o lenço do pescoço e o colocou na mesa. Um gesto simbólico. Uma entrega sem submissão.
 
Ele entendeu.
 
O toque começou nas costas. Leve, como se temesse acordar um sonho. A palma da mão deslizou pela coluna, descendo devagar, como quem mapeia território perigoso. Clara fechou os olhos. Não por submissão, mas por plenitude. Era ali que queria estar: não apenas tocada, mas reconhecida.
 
Quando se curvou sobre a cama, não foi por submissão. Foi por escolha. Por desejo de entregar-se a um ritmo mais profundo, mais íntimo. Ele a seguiu com olhos, com mãos, com respiração. Cada movimento era uma pergunta. Cada resposta, um convite.
 
O que veio depois não foi sexo. Foi diálogo. Um diálogo sem palavras, feito de pressão, calor, gemidos contidos, espasmos sutis. Foi a descoberta de um lugar onde o prazer não era apenas físico, mas emocional — um lugar onde o corpo falava mais alto que a razão, onde o tabu se dissolvia em entrega mútua.
 
E quando o clímax chegou, não foi um grito, mas um suspiro longo, quase doloroso de tão profundo. Como se o corpo tivesse expelido algo mais que desejo: uma máscara. Um segredo. Um véu.
 
Depois, o silêncio. Mas não o silêncio do fim. O silêncio do começo. Ele a abraçou por trás, sem falar. E ela, pela primeira vez em muito tempo, não se sentiu sozinha.
 
Na manhã seguinte, o supermercado estava igual. As luzes, as pessoas, os corredores. Mas Clara não. Algo em seu olhar mudara. Não havia triunfo, nem culpa. Havia apenas uma leveza — como se tivesse finalmente encontrado o endereço certo para seu desejo.
 
E, no fundo, sabia: aquele não seria o último olhar que cruzaria com o dela.

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