Minha primeira vez

 
O calor daquela noite parecia ter alma. Entrava pelas frestas das janelas do hotel e se espalhava pelo corpo de Clara como uma promessa não cumprida. O ventilador girava devagar, empurrando o ar pesado e doce de um verão no interior. A cidade dormia, mas dentro do quarto o tempo estava suspenso — preso entre o riso fácil da juventude e um silêncio novo, espesso, que cheirava a curiosidade.
 
Clara havia chegado à viagem como quem foge de si. As amigas brincavam dizendo que ela precisava “viver um pouco”, e ela sorria sem confessar o motivo do próprio desconforto. Aos dezoito, ainda guardava intacto o espaço do primeiro toque, e isso, embora não fosse um peso, era um segredo. Não por vergonha, mas por expectativa — como se tivesse reservado para si um território de descoberta que o mundo, apressado, ainda não tinha direito de explorar.
 
Durante o dia, tudo era leve: risadas na piscina, histórias inventadas, o sol ardendo nos ombros. Mas quando o entardecer chegava, Clara sentia uma quietude que não sabia nomear. Talvez fosse desejo, talvez medo. Sentia o corpo desperto, curioso, e uma estranha vontade de se perder por um instante — só para descobrir quem seria ao voltar.
 
João estava lá. Gentil, tranquilo, com um humor que desmontava silêncios. Era amigo de um dos rapazes do grupo, e desde o primeiro dia seus olhos a encontravam com uma frequência quase imperceptível, como se compartilhassem um segredo que ninguém mais via. Ele falava pouco, mas quando o fazia, parecia olhar direto para dentro dela. Clara gostava desse jeito calmo, da presença sem exigências.
 
Na última noite da viagem, o grupo se reuniu no pequeno salão do hotel. Música baixa, copos pela metade, conversas que se dissolviam em gargalhadas. Clara observava João ao fundo, rindo de algo banal, e sentiu uma pontada de reconhecimento — como se o corpo soubesse antes da mente o que estava prestes a acontecer.
 
Mais tarde, o quarto se foi esvaziando. Um a um, os amigos desapareceram em despedidas preguiçosas. Clara ficou. João também. O silêncio veio acompanhado do som distante das cigarras lá fora. A luz do abajur tingia o quarto de um dourado morno, e o ar cheirava a noite longa.
 
— Está tudo bem? — perguntou ele, num tom baixo, quase cúmplice.
Ela assentiu, e o gesto simples pareceu selar algo invisível entre os dois.
 
Ele se aproximou. O espaço entre eles era pequeno, mas denso de intenções. Clara sentiu o coração bater como se quisesse avisá-la do perigo e, ao mesmo tempo, incentivá-la a ficar. Quando João tocou sua mão, não foi um gesto audacioso, mas o tipo de toque que pergunta antes de afirmar. A pele dela reagiu como se esperasse por aquilo há muito tempo.
 
O beijo veio depois, lento, tateando fronteiras. Havia ternura, mas também um calor subterrâneo, feito de respirações contidas. O quarto, antes banal, tornou-se território de sensações novas: o cheiro do perfume dele, o tecido da camisa roçando de leve, a música distante misturada à respiração dos dois.
 
Ela se deixou conduzir. O mundo parecia mais quieto, mais simples. O toque dele era paciente, sem pressa — uma linguagem que dizia mais do que palavras. Clara descobria o próprio corpo como se o habitasse pela primeira vez, notando cada arrepio, cada reação que surgia sem que precisasse pensar. João, por sua vez, parecia compreendê-la por instinto, atento a cada movimento, cada pausa.
 
Por um instante, ela teve medo. Não do que acontecia, mas de perder o controle, de se deixar sentir demais. Ele percebeu e recuou apenas o suficiente para olhá-la nos olhos.
— Está tudo bem. A gente vai no seu tempo — murmurou, e o simples som da voz dele a fez relaxar.
 
O resto da noite foi um mosaico de sensações: a pele quente, a respiração acelerada, o toque cuidadoso. Clara entendeu que o prazer também podia ser feito de silêncio, de entrega lenta, de confiança. E quando o corpo finalmente se rendeu, foi menos um gesto físico e mais uma travessia — uma passagem da curiosidade para a consciência de si.
 
Horas depois, o amanhecer entrou tímido pelas frestas da cortina. Clara acordou com a luz dourada tocando o lençol e o som distante de passos no corredor. João dormia ao seu lado, o rosto sereno, e ela o observou em silêncio. Sentiu uma gratidão mansa — não apenas por ele, mas por si mesma, por ter permitido que o desejo viesse acompanhado de respeito.
 
Levantou devagar, olhou o espelho do quarto e se viu diferente. O rosto era o mesmo, mas havia algo novo no olhar: uma segurança, talvez, ou a leveza de quem finalmente entende que o corpo também é um lugar de descoberta.
 
No café da manhã, os amigos conversavam distraídos. João lançou-lhe um olhar breve, cúmplice, e ela respondeu com um sorriso quase imperceptível. Entre eles não havia segredos a revelar, apenas a certeza de que algo importante havia acontecido — algo que não precisava ser explicado.
 
Quando o grupo se despediu e os carros começaram a partir, Clara olhou pela janela. A estrada se estendia diante dela, iluminada pelo sol nascente. A viagem terminava, mas o que ela levava não cabia na mala: era a memória de uma noite em que o tempo parou, o instante em que a menina se tornou mulher sem deixar de ser quem era.
 
E ao fechar os olhos por um segundo, sentiu novamente o calor da pele, o arrepio leve na nuca e o som da própria respiração. Sorriu.
Sabia que não era o fim de nada, apenas o começo de tudo.

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